quinta-feira, 25 de março de 2010

Mais que um bairro, um estado de espírito



MOOCA É MOOCA!!!...

Na cidade de 90 mil eventos por ano (um a cada 6 minutos), dos mais de 12 mil restaurantes de 52 tipos de cozinha, mais de 40 mil quartos de hotel, dos dois aeroportos mais movimentados do País, da maior economia do continente, enfim, na rápida e frenética São Paulo resiste, a poucos quilômetros do centro, o peculiar bairro da Mooca. Insiste em ser bairro.
Que não se pense que isso possa significar atraso, ao contrário, o bairro habitado por tribos indígenas nos primórdios da cidade (o nome viria de Moo – “faz”, e Oca – “casa”) foi e é
primordial ao desenvolvimento da metrópole, com importantes páginas na história da industrialização.
Quem visita a Mooca vê na arquitetura boa pista para a compreensão da dinâmica da cidade e do próprio bairro. Em meio a edifícios altos e modernos, convivem antigos galpões industriais, vilas operárias e casas desenhadas pelos maestri italianos com traços surpreendentes.
A gastronomia é outro fato marcante apontado por todas as pessoas a quem se pergunta “O que é imperdível na Mooca?”. Via de regra, não se come mal por lá, independentemente do “bolso”. A influência italiana predomina, mas convive com algumas outras especialidades, o que não chega a ser suficiente para impedir que o nome do bairro se associe a uma paixão paulistana – a pizza.
Em São Paulo, estima-se o consumo de 1 milhão de pizzas diárias, das mais simples às mais sofisticadas. Estas últimas, em pizzarias “da moda”, concentradas em bairros como Jardins (zona Sul), Pinheiros e Vila Madalena (zona Oeste). Entretanto, se o tema for tradição, o deslocamento de qualquer outro ponto da cidade para a Mooca está mais do que justificado.
“Acho que acertamos o ponto da pizza napolitana, tradicional, hoje é tudo muito exótico. Inventamos aqui a pizza de escarola e, quando meu pai começou, tínhamos quatro tipos de pizza. Hoje qualquer pizzaria tem 50”, diz Paschoal Barbudo, proprietário de tradicional estabelecimento na Rua Javari, próximo ao estádio, com mais de 700 m² e no mesmo endereço desde 1971.
Paschoal (58), morador da Javari desde que nasceu, diz estar se adaptando ao sistema de delivery, outra mania da cidade. “O delivery veio atrapalhar bastante nosso ramo.” Apesar disso, a pizzaria mostra um bom movimento próximo ao meio-dia. Sim, diferentemente de outras partes da cidade, na Mooca se come pizza na hora do almoço.
Outro momento gastronômico e cultural ímpar ocorre aos finais de semana do mês de setembro, nas comemorações voltadas à San Gennaro, padroeiro do bairro. Músicas, danças típicas italianas e, claro, muita comida. São aproximadamente 60 mil pratos de macarronada, 120 mil pedaços de pizza e 5 mil litros de vinho consumidos no evento que é parte do calendário oficial da cidade.
Mais do que arquitetura, festa e gastronomia, o que surpreende mesmo na Mooca é a identidade singular e facilmente percebida. “Orra bello, hoje vamo ver o Juventus!”
Quem não escutou pessoalmente sotaque semelhante já deve ter ouvido em novelas ambientadas em São Paulo, ou ainda nas piadas que caricaturizam a fala paulistana. Pois bem, exageros à parte, ele existe e se ouve na Mooca.
O Juventus
O sotaque da Mooca remonta à chegada dos italianos em São Paulo. Muitos lá se instalaram em função da industrialização no bairro iniciada no final do século XIX com a Cia. Antarctica Paulista (1891) e com a indústria têxtil, que teve como pioneira a Indústria Rodolpho Crespi (1897), que se tornaria conhecida como Cotonifício Crespi.
Dentre os milhares de operários desta fábrica, vários times amadores de futebol surgiram, e a fusão de dois dos principais resultou no Cotonifício Rodolfo Crespi F. C. em 1924. Neste mesmo ano, um fato triste viria marcar a história do bairro e da cidade: a Revolução de 1924, segunda revolta tenentista, também chamada de revolução esquecida. Maior conflito bélico já ocorrido em São Paulo, durou 23 dias e deixou 503 mortos e quase 5 mil feridos após ataques aéreos e terrestres do exército legalista leal ao presidente Artur Bernardes. Grande parte destes ataques atingiu bairros operários como Mooca, Brás e Belenzinho. O Cotonifício foi muito danificado.
Recuperada a fábrica e com o bairro crescendo, o time do Cotonifício muda de nome em 1930 e passa a se chamar Clube Atlético Juventus por sugestão do próprio Conde Crespi, que havia voltado recentemente de uma viagem a sua terra natal, onde viu jogar a Juventus de Turim e a qual quis homenagear.
O curioso é que Crespi decidiu dar as cores grená e branco, do rival Torino, em vez do preto e branco da equipe homenageada. “Há duas versões para esse fato”, diz Angelo Agarelli, 62 anos de idade e de Mooca e atual diretor do clube. “A primeira é que ele tinha dois filhos que torciam um para cada time de Turim e, para agradar aos dois, batizou o novo clube de Juventus e lhe deu as cores do Torino. A outra é a que já havia muitos times alvinegros em São Paulo. Preferimos a primeira, mais romântica”, completa.
No mesmo ano, o Juventus estreia na elite do futebol paulista e recebe o apelido de “Moleque Travesso” do jornalista d'A Gazeta, Thomas Mazonni, após vencer o já gigante Corinthians por 2 x 1 em pleno Parque São Jorge.
Em 1960, a diretoria, presidida por Roberto Ugolini, motivada pelo fato de não haver um clube na região (o mais próximo era o Corinthians), lança um ousado plano de clube social com a venda antecipada de títulos patrimoniais, usando como garotos-propaganda os atletas do próprio clube. O sucesso é grande e em abril de 1962 é lançada a pedra fundamental.
Numa área de 80 mil m², o clube chegou a ter aproximadamente 140 mil associados, o que lhe transformou em um dos maiores da América Latina nas décadas de 1970 e 80. As áreas de lazer nos condomínios, os shoppings e as academias foram disputando público avidamente com os clubes e hoje o Juventus possui aproximadamente 40 mil sócios, entre pagantes (5 mil) e dependentes.
A principal fonte de renda, no entanto, está nos imensos salões alugados para grandes festas. Nada que tire o charme do Moleque Travesso, símbolo e definitivamente um convite para conhecer a Mooca.

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